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domingo, 29 de junho de 2014

1 Guerra mundial. Uma “guerra agendada” ou uma catástrofe inesperada?

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Na foto: Francisco Fernando minutos antes do atentado
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Há 100 anos, no dia 28 de junho de 1914, na cidade bósnia de Sarajevo soaram os tiros que mataram o arquiduque da Áustria Francisco Fernando e que deram o sinal de partida para a mudança de épocas.

Decorrido pouco mais de um mês, a humanidade já tinha mergulhado no turbilhão da Primeira Guerra Mundial, na qual pereceram três dos impérios mais importantes daquele tempo: o Império Russo, o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano. Como pôde um simples atentado ter tido consequências tão globais?
Nos últimos anos temos assistido a um processo de “reconsideração” do problema das origens da Primeira Guerra Mundial. O objetivo é a tentativa de proclamar a Sérvia, e a Rússia que a apoiava, como as principais culpadas desse conflito militar e colocar na sombra os planos próprios de Berlim, Viena, Londres, Paris e de outros intervenientes políticos para uma nova divisão das esferas de influência mundiais, para a conquista das fontes de matérias-primas e pelo controle das vias de comunicação.
É evidente que o reconhecimento do papel decisivo da Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria-Hungria e Itália) no eclodir da Primeira Guerra Mundial cria analogias, desfavoráveis para o Ocidente, com as atuais tentativas dos EUA, da OTAN e de outros países e estruturas para redesenhar o mapa do mundo da forma que mais lhes convém. Daí a tensão sem precedentes existente nas discussões dos acontecimentos de 100 anos atrás, porque as abordagens da historiografia da Primeira Guerra Mundial estão intimamente ligadas aos processos políticos.
As tentativas para atribuir a responsabilidade principal pelo início da Primeira Guerra Mundial à Sérvia e à Rússia, nomeadamente, coincidem de forma ilustrativa com o processo de um novo aumento do poderio econômico e das pretensões geopolíticas da Alemanha.
Nas duas últimas décadas na Alemanha tem sido observada uma clara tendência de abandono da herança da “escola de Fischer”, que existe na Alemanha desde os anos de 1960. Fritz Fischer, um dos maiores historiadores alemães, provou de forma convincente que foi precisamente a Alemanha que envolveu a humanidade na Primeira Guerra Mundial para que fossem redesenhadas as esferas de influência, para a conquista de colônias e de fontes de matérias-primas.
É significativo que não se conseguiu encontrar nenhuns novos documentos que permitissem desresponsabilizar Berlim de ter iniciado a Primeira Guerra Mundial. Contudo, são muito usados paralelismos históricos mais que duvidosos com os dias de hoje.
Aliás, isso é um pecado comum tanto aos historiadores norte-americanos, como britânicos. O historiador britânico Chris Clark, por exemplo, usa como argumento a favor de uma revisão da concepção estabelecida sobre as raízes históricas da Primeira Guerra Mundial até os trágicos acontecimentos ocorridos na cidade bósnia de Srebrenica no verão de 1995. Clark considera que são precisamente esses acontecimentos que obrigam a rever radicalmente o papel histórico da Sérvia na Europa, assim como o da Rússia sua aliada.
O que podemos dizer sobre essa “inovação”, que adultera a própria essência das analogias históricas? Analisemos os documentos deste período que nos interessa. É útil recordar, nomeadamente, que o Estado-Maior da Áustria-Hungria tinha planos detalhados para a invasão preventiva simultânea da Sérvia e da Rússia já em 1912, ou seja, quase dois anos antes do assassinato de Sarajevo. Mas como justificação para esse tipo de operação era necessário um pretexto que responsabilizasse a Rússia e a Sérvia pela guerra.
O chefe do Estado-Maior do exército alemão Helmuth von Moltke indicava numa carta ao seu homólogo austro-húngaro: “É necessário encontrar um pretexto para a guerra, é preciso manobrar para que esse pretexto surja dos eslavos.” Esse pretexto (e não o motivo!) foram precisamente os disparos feitos em junho pelo nacionalista bósnio Gavrilo Princip.
Os próprios documentos de Viena e de Berlim fundamentaram precisamente as decisões da Conferência de Paz de Paris e do Tratado de Versalhes de 1919. O artigo 231 desse documento responsabilizou completamente a Alemanha e seus aliados pela Primeira Guerra Mundial. O artigo 227 acusou o imperador Guilherme II da Alemanha dos crimes contra a “moral internacional” e exigiu seu julgamento como “criminoso de guerra”.
É óbvio que a história da Primeira Guerra Mundial ainda esconde muitos mistérios. No plano do esclarecimento dos motivos da Primeira Guerra Mundial podemos falar do debate entre as duas concepções principais.
A primeira fala de uma “guerra agendada” (War by Timetable) – um conceito introduzido em 1969 pelo historiador britânico A.J.P. Taylor.
Os seus adversários insistem que o confronto generalizado europeu resultou de uma cadeia de casualidades trágicas, da desconfiança entre as potências e da ausência de coordenação entre os monarcas.
Contudo, os apoiantes de ambas as concepções são unânimes em afirmar que as contradições dessa altura entre as grandes potências dificilmente poderiam ser resolvidas pela via pacífica. Negar esse fato, e sobretudo tentar acusar de tudo a Sérvia e a Rússia, será negar a objetividade de um processo histórico.

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